Sobre ídolos, gênero e raça
- Ana Eliziário
- 25 de set. de 2015
- 4 min de leitura
Minha relação com Chimamanda Ngozi Adichie começou há 2 anos atrás. Em algum dia comum como caloura, meu professor de história das RI trouxe uma transcrição de uma palestra que ela deu no TED Talks, chamada o "O Perigo de uma História Única". Nesse dia me apaixonei.

Ela nasceu em 1977 na cidade de Enugo, na Nigéria, é filha de professores universitários e cresceu na cidade de Nsukka, onde está a Universidade da Nigéria. Estudou medicina, comunicação e ciência política, mas é famosa por seus romances. Dona de uma forma de escrita fluida, repleta de críticas sociais e de uma delicadeza ímpar. É considerada uma dos 20 escritores de ficção mais influentes com menos de 40 anos.
Ela é a feminista que eu sempre quis ser. Culta mas nunca esnobe, ela fala (e, principalmente, escreve) de uma forma que encanta. Ver suas palestras me faz lembrar por que sou feminista. Porque quero um mundo justo, onde eu possa ter valor pelo que sou e faço, sem precisar carregar certos papéis sociais a mim atribuídos apenas por ser mulher. Sempre que me perguntam sobre minha visão de mundo, indico a palestra de Chimamanda: "sejamos todos feministas". Palestra essa que virou um livro (mas, pessoalmente, acho que vale muito mais a pena assisti-la no YouTube. É pequena... tá, me julguem).
"Quando eu estava na escola primária minha professora disse no começo das aulas que ela daria um teste à turma, e aquele que tivesse a maior pontuação seria o monitor da turma. Ser monitor da turma era uma grande coisa. Se você fosse um monitor você escreveria o nome dos bagunceiros, o que já dava poder suficiente. Mas minha professora também daria um bastão para segurar enquanto andava e patrulhava a classe em busca dos bagunceiros. Claro que você não pode realmente usar o bastão. Mas era uma perspectiva excitante para mim quando tinha nove anos. Eu queria muito ser a monitora da turma. E eu tirei a nota mais alta no teste. Para minha surpresa, a professore disse que o monitor tinha que ser um menino. Ela esqueceu de esclarecer isso antes porque ela supôs que era... óbvio. Um garoto teve a segunda maior nota no teste e ele seria o monitor. O que é mais interessante nisso é que era um garoto doce, muito gentil, que não tinha nenhum interesse em patrulhar a sala com um bastão, enquanto eu estava ansiosa pra fazer isso. Mas eu era uma garota, e ele um garoto. Então ele tornou-se o monitor da turma."
(é essa palestra aqui, ó. Dá pra botar legendas no cantinho direito inferior do vídeo)
Ontem eu acabei de ler o livro Americanah, também escrito por Chimamanda. É um romance lindo, da história de Ifemelu, uma nigeriana que vai estudar nos Estado Unidos, e toda sua trajetoria - a qual inclui Obinze, seu namorado dos tempos da escola. Trata sobre amadurecimento, autoconhecimento, aceitação.
Como mulher senti uma conexão imediata com Ifemelu. Afinal, eu sei o que é ser oprimida, eu sei como é ter que me esforçar o tempo todo para provar que sou capaz apesar do meu corpo. Entretanto, eu nunca saberei exatamente o que é ser Ifemelu, já que sou branca. Graças a miscigenação sou branca com os cabelos crespos, os quais nunca deixo de alisar (bom, branca no Brasil. Em qualquer outro lugar seria mais uma latina, o que é assunto pra outro post). Tem uma cena em que ela, após alisar os cabelos, sofre com feridas no couro cabeludo e vê os cabelos cairem. Já vivi tantas vezes isso que era como se eu estivesse dentro do livro. Mas a identificação extrema acaba ai.
Eu nunca vou saber o que é ser segregada ou sofrer zombaria por causa de algo que não posso mudar. Nunca saberei como é ser silenciada dentro do feminismo, onde todas deveriamos nos proteger. Ou que, por causa da minha etnia, jamais estarei dentro do padrão de beleza e que nem o homem negro gostaria de estar comigo. Americanah, assim como um tapa na cara, me mostrou o quanto sou previlegiada.
“Nos Estados Unidos o racismo existe, mas os racistas desapareceram”,
“Se estiver falando com uma pessoa que não for negra de alguma coisa racista que aconteceu com você, tome cuidado para não ser amargo. Não reclame. Diga que perdoou. (...) Nem se incomode em falar de alguma coisa racista que aconteceu com você para um conservador branco. Porque esse conservador vai dizer que VOCÊ é o verdadeiro racista e sua boca vai ficar ainda mais aberta”. (trecho de Americanah)
Chimamanda Adichie me ensinou o que era feminismo (pelo qual serei eternamente grata). Agora, dois anos depois está me ensinando alteridade. Não é porque nós somos oprimidas que sofremos o mesmo nível de opressão. De nada vale quebrar uma estrutura de opressão se mantivermos as outras. Minha luta, como mulher e feminista, é para ver um mundo onde a mulher branca e a negra, asiática, latina, árabe, cristã, judia, atéia, muçulmana, hétero ou lgbt estejam no mesmo nível, e jamais estejam abaixo de homem algum. Um mundo feito apenas por pessoas.
"Todas as vezes que me ignoram, me sinto invisível. Eu fico chateada. Eu quero dizer a eles que sou tão humana quanto o homem, que eu também mereço o reconhecimento. (...)
Os gêneros importam. Homens e mulheres experimentam o mundo de modo diferente. Os gêneros colorem a maneira como experimentamos o mundo. Mas nós podemos mudar isso. "
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